Jaguar: Uma Espécie Ameaçada de Extinção?
A Jaguar parece ser uma "espécie ameaçada de extinção".
Recentemente, a marca anunciou sua nova identidade e enfrentou diversas críticas da opinião pública. Originalmente britânica, a Jaguar pertence ao grupo Tata Motors, da Índia, desde 2008. Esse grupo também controla a Land Rover, formando o conglomerado Jaguar Land Rover (JLR). Essa informação é importante porque o atual grupo pode não possuir um vínculo emocional com a história da marca, o que pode ter influenciado nas recentes mudanças.
Alterar a identidade visual de uma marca centenária é algo extremamente arriscado e pouco recomendado. Mas não foi só isso: toda a campanha de lançamento também deixou o público confuso. Por que uma empresa opta por um reposicionamento total? A resposta é uma só: porque o que ela vinha fazendo já não estava funcionando.
No caso da Tata Motors, o grupo decidiu que não fazia mais sentido produzir motores a combustão, extinguindo esse modelo de carro do seu portfólio, inclusive os híbridos. Essa decisão faz parte de uma estratégia maior: a criação de uma plataforma dedicada a veículos elétricos premium e de luxo, chamada Electrified Modular Architecture (EMA).
O objetivo é tornar a Jaguar uma marca 100% elétrica até 2025.
Eles reimaginaram todas as marcas do grupo criando personalidades, contextos e universos próprios para cada uma delas: Range Rover, Defender, Discovery e Jaguar.
Assim começamos a entender as motivações por trás da mudança. Afinal, nunca é só uma questão estética; trata-se de um novo modelo de negócio.
Análise da Identidade Visual
A Jaguar poderia ter seguido dois caminhos:
Um resgate de sua herança.
Uma mudança completa.
Ela escolheu a segunda opção, criando uma identidade visual que busca romper com o passado e atrair novos públicos. Historicamente, o design dos produtos e as campanhas publicitárias da Jaguar sempre refletiram uma certa extravagância, uma característica-chave da marca e talvez o que exista em comum entre a antiga e a nova comunicação.
Logo Antigo:
Símbolo: O jaguar saltando simbolizava velocidade, força e elegância.
Tipografia: Com traços fortes e ângulos discretamente agressivos, transmitia robustez e luxo clássico.
Cores: Prata, representando sofisticação, exclusividade e masculinidade.
Logo Novo:
Símbolo: O jaguar foi removido do logotipo principal, aparecendo apenas em aplicações específicas nos produtos. O salto do animal agora direcionado para a direita sugere movimento para o futuro.
Tipografia: Minimalista, com traços finos e espaçamento amplo. A nova fonte, Colin Semi Bold, apresenta um espaçamento inusitado no último caractere.
Cores: Dourado, remetendo à inovação e ao luxo contemporâneo, com um toque de feminilidade.
Jaguar x Google
Desde 2018, a Jaguar tem se aliado ao Google, por meio da Waymo (startup de carros autônomos do grupo Alphabet), para investir em frotas de veículos elétricos autônomos.
Essa nova fase da Jaguar vai além da eletrificação: é uma transformação profundamente tecnológica, com iniciativas como assinaturas de veículos e o aluguel de carros elétricos da marca por meio de aplicativos.
A nova identidade visual da Jaguar, com um logotipo mais arredondado, parece ir além dos carros, refletindo a expansão para aplicativos e serviços digitais.
Se os carros elétricos não são mais o único produto da marca, e serviços integrados passam a fazer parte da estratégia, a escolha de um design com linhas mais fluidas e adaptáveis poderia ser intencional.
Mas, será que a semelhança entre a nova logo da Jaguar, sua conexão com a letra “G” e a tipografia do Google é apenas uma coincidência? Ou seria uma pista do envolvimento do Google nesse grande movimento estratégico?
Campanha de Lançamento
Uma campanha de reposicionamento acontece em fases: pré-lançamento, lançamento e pós-lançamento.
Fase 1: Pré-Lançamento
Teaser: O vídeo inicial não mostrou nada dos produtos, criando curiosidade em torno do portfólio que será apresentado oficialmente em 2 de dezembro. Chamou a atenção por parecer mais próxima de uma grife de roupas ou joias do que de uma montadora de carros. E isso não foi por acaso.
“Nossa ambição é nos tornarmos uma marca de luxo tecnológica que também tem um lado automotivo, em vez de apenas uma fabricante de carros de alto padrão”, afirmou Rawdon Glover, chefe da Jaguar.
É como se a marca dissesse: “Esqueçam o passado. Os antigos carros a combustão são relíquias, coisas de museu. Estamos no futuro. Somos elétricos, rápidos e inovadores.”
A Jaguar está convencida de que a forma como as novas gerações se relacionam – e continuarão a se relacionar – com os carros mudou e continuará mudando irreversivelmente.Feed Zero: A Jaguar arquivou todo o seu histórico no Instagram para enfatizar a mensagem de que o passado está "guardado na gaveta"
Site de Captação de Leads: O hotsite destacou colaborações com artistas e estilistas, reforçando uma nova era para a marca, marcada pela originalidade e pela ruptura de limites.
O slogan escolhido, Copy Nothing, é uma reinterpretação de uma frase de Sir William Lyons, fundador da Jaguar, que descrevia os carros da marca como "uma cópia de nada". A frase pretende encapsular a essência da Jaguar mas ainda está desconexa nessa fase inicial de apresentação, da campanha de lançamento e da mensagem de forma geral. O público ainda está sem entender o que a marca pretende.
“Nosso fundador acreditava que ‘um Jaguar não deveria ser cópia de nada’. Nossa visão para a Jaguar hoje é guiada pela originalidade. A nova Jaguar é construída ao redor do Modernismo exuberante. É criativa, ousada e artística em cada ponto de contato. É única e destemida”, Professor Gerry McGovern OBE, CCO da Jaguar.
A ampla exposição da nova identidade visual da Jaguar por meio de mídia espontânea, antes mesmo de sua aplicação nos produtos, desempenha um papel estratégico na familiarização do público com a marca, facilitando a aceitação da mudança – inclusive entre aqueles que, inicialmente, poderiam rejeitá-la. A intensa presença digital reduz o período de estranhamento, proporcionando 12 dias de awareness antes do lançamento oficial. Essa abordagem visa minimizar a resistência natural a transformações significativas, conectando o público à nova proposta de valor da marca. Além disso, esse período pré-lançamento funciona como um termômetro para medir a opinião pública e, se necessário, ajustar detalhes antes da grande estreia.
Certamente, a Jaguar poderia ter seguido outros caminhos. Por exemplo, a introdução da nova identidade poderia ter sido menos abrupta. Uma abordagem alternativa seria apresentar gradualmente elementos familiares, como o símbolo do jaguar, repaginado e modernizado, antes de revelar o novo logotipo. Essa estratégia de transição suave poderia mostrar a preservação de algum vínculo entre a marca antiga e a nova, reduzindo a sensação de ruptura. Contudo, a empresa optou por uma comunicação mais chocante.
Não é um erro, nada foi amador, tudo foi proposital.
Fase 2: Lançamento
Evento de Apresentação: O novo portfólio será apresentado oficialmente em 2 de dezembro de 2024, durante Miami Art Week.O fato de o lançamento oficial do portfólio da Jaguar não ocorrer em Londres, como muitos poderiam esperar, mas em Miami, transmite a intenção da marca de se conectar com públicos urbanos, cosmopolitas e culturalmente progressistas — características que refletem o perfil democrático predominante na cidade.
Este evento busca associar a marca à arte e consolidar a Jaguar como uma marca 100% elétrica. Nesta etapa, o foco está, de fato, na apresentação do produto em si.
Produto Destaque: O GT elétrico de quatro portas, estimado em £130.000, promete uma autonomia de 430 milhas e carregamento ultrarrápido. Concorrentes incluem Porsche Taycan, Lotus Emeya e Tesla Model S Plaid.Já declarou que não competirá no mercado premium convencional com marcas como BMW e Audi, que está se posicionando com ultra luxo.
Será que a Jaguar aproveitará o lançamento para reforçar ainda mais a ideia de deixar o passado para trás? Como ela pode apresentar os modelos antigos como peças de arte e os novos como joias elétricas que representam o futuro? Ou será que, nesse evento, a marca buscará conectar passado e presente, deixando suas intenções mais claras para o público?
Fase 2: Pós-lançamento
A Jaguar planeja lançar lojas-conceito em cidades estratégicas ao redor do mundo, oferecendo o que o chefe Rawdon Glover descreve como "experiências dramáticas e atmosféricas". Esses espaços visam conectar a nova identidade da marca ao público-alvo de forma imersiva e impactante.
Especula-se que o reposicionamento envolveu um custo multimilionário, considerando o desenvolvimento de uma nova identidade visual, campanhas de marketing globais, e mudanças significativas na produção e distribuição de veículos.
Mudanças no Contexto Cultural
O reposicionamento Reimagine Jaguar começou há pelo menos de três anos, quando a cultura "woke" estava em alta. No entanto, atualmente, indicadores sugerem que sua influência está em declínio, especialmente nos Estados Unidos. Grandes corporações, como Ford e Harley-Davidson, têm revisado ou abandonado iniciativas progressistas devido a pressões de consumidores e acionistas.
Outro recente exemplo e bem aceito pela opinião pública é o comercial do novo Volvo EX90
Embora estejamos falando de uma instituição, empresas são feitas por pessoas. E as lideranças traçam o caminho da marca com base em suas visões, experiências e leitura do mercado. No caso da Jaguar, temos dos nomes: Gerry McGovern e Rawdon Glover
Há quatro anos, em uma entrevista, Glover revelou suas intenções para o futuro da Jaguar. No entanto, será que eles foram capazes de prever o impacto dos novos comportamentos culturais e sociais que resgatam o valor do passado e da herança histórica das marcas?
A dúvida que surge é: essa narrativa tem como objetivo desafiar marcas como a Tesla, que lideram a inovação no setor de veículos elétricos? Existe realmente espaço para a Jaguar ocupar nesse cenário? A marca está à frente de seu tempo ou perdeu o timing?
Veredito
Reposicionar uma marca vai além de mudanças estéticas; é uma estratégia que combina cultura corporativa, visão de mercado e inovação de produto. A decisão da Jaguar de romper com seu passado é arriscada, podendo gerar críticas e estranhamento entre clientes tradicionais. No entanto, essa ousadia também carrega o potencial de atrair novos públicos e posicionar a marca como pioneira no segmento de veículos elétricos de luxo.O movimento mantém a essência da exuberância e do luxo, mas levanta questões importantes: teria sido mais eficaz criar uma marca totalmente nova? Havia caminhos mais seguros para seguir?
A marca Jaguar está ameaçada de extinção? Transformações desse porte têm o poder de revitalizar a marca, mas também a expõem a riscos consideráveis. O sucesso das vendas dependerá da aceitação de seus produtos e da capacidade de entregar uma experiência que vá além das expectativas.
“O que estamos fazendo – e tudo o que fazemos, na verdade – é sempre com um olhar para o futuro. Não estamos nos limitando ao mercado atual, mas pensando em como ele se comportará nos próximos cinco, sete ou dez anos. Ser pioneiro e desbravar novos caminhos implica lidar com diferentes percepções, mas o mais importante é mantermos a fidelidade às nossas estratégias e trazer com força tudo o que acreditamos” Camila Yu Mateus, Diretora de Marketing da JLR Brasil
Laboratório de Inovação
O reposicionamento da Jaguar representa, simultaneamente, uma grande oportunidade e um enorme desafio. Se bem-sucedido, poderá consolidar a marca em um mercado disruptivo. Caso contrário, corre o risco de ser lembrado como uma tentativa mal calculada de adaptação. O futuro ainda é incerto, mas uma coisa é clara: a Tata Motors posiciona a Jaguar como um laboratório para testar estratégias ousadas. A empresa parece explorar novos caminhos no mercado de luxo elétrico, usando a Jaguar como uma plataforma para inovação, experimentação e transformação.